O militar chegou de surpresa e encontrou a irmã machucada

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Tomás Mendes, um sargento reformado do exército com cicatrizes invisíveis de anos no campo, não imaginava voltar tão cedo à sua terra natal. A vida dele, agora mais calma, desmoronou com uma chamada da mãe. A voz dela, normalmente quente, vinha carregada de silêncios que cortavam como facas e respostas evasivas que lhe apertaram o peito. Algo não estava bem. Sem pensar duas vezes, avisou ninguém e comprou o primeiro bilhete de avião disponível. A urgência consumia-o, um eco das missões onde cada segundo podia ser a diferença entre a vida e a morte.

Ao chegar à casa da irmã Leonor, o mundo desabou-lhe em cima. A porta abriu-se e lá estava Carlos, o cunhado, com um sorriso arrogante que respirava controle. Mas foi Leonor, ao fundo da sala, que lhe partiu o coração. O rosto dela, coberto com maquilhagem mal aplicada, não escondia os hematomas frescos que marcavam a pele como um mapa de dor. Os olhos de Tomás, treinados para detetar ameaças, acenderam-se de raiva contida.

“O que aconteceu à tua cara, Leonor?”, perguntou, a voz a tremer entre o ódio e o medo, sem sequer olhar para Carlos. “Caí das escadas”, sussurrou ela, os olhos presos ao chão, como se olhar para ele fosse trair um segredo mortal. Tomás sentiu um vazio no estômago. Não acreditou numa palavra. Carlos, a servir-se de um café com uma calma insultuosa, soltou uma risada seca. “A desastrada é de família, não é, cunhado?” A gozação era um desafio, mas Tomás não reagiu.

Dentro dele, uma promessa ardia. Não sairia dali sem arrancar a verdade daquela casa envenenada. O ambiente era sufocante, como se o ar estivesse carregado de medo. Carlos movia-se com a segurança de um tirano, controlando cada gesto de Leonor, corrigindo detalhes insignificantes—a forma como cortava o pão, como dobrava um guardanapo—num tom que fingia ser leve, mas cheirava a crueldade. Tomás via tudo com a precisão de um soldado, cada movimento gravado na mente.

Leonor, a irmã vibrante que outrora enchia a casa de risos e sonhava em ser estilista, estava destruída. Ombros curvados, mãos a tremer, olhos fugidios. Assustava-se quando Carlos levantava a voz ou se aproximava demasiado. Não havia telemóvel, nem um cêntimo na carteira, nem um pingo de liberdade na própria casa. Os sinais eram um grito silencioso, e Tomás, com o coração nas mãos, jurou não ignorá-los. Nessa mesma tarde, arranjou um momento a sós com ela.

Encontrou-a na cozinha, a olhar para uma chávena vazia. “Leonor, fala comigo”, implorou, a voz baixa mas cheia de urgência. Ela abanou a cabeça, o medo pintado no rosto. “Não posso, Tomás. Se ele descobre, fica pior. Não sabes como ele fica quando se zanga?”, murmurou, a voz a partir-se como vidro. Ele respirou fundo, lutando contra a raiva que lhe queimava o peito. “E tu sabes que não há nada que me pare se alguém te magoar”, disse com uma calma que escondia um vulcão.

Os olhos de Leonor encheram-se de lágrimas, e num fio de voz suplicou: “Fica, por favor, só uns dias.” Aquele pedido, tão frágil e desesperado, foi um tiro na alma de Tomás. Quando Carlos voltou para a sala, a presença dele encheu o espaço como uma sombra. “Aqui não há segredos, Tomás”, disse com um sorriso venenoso. “Tudo se sabe, por isso não tentes meter-lhe ideias na cabeça. Ela está bem, e tu fica no teu lugar.”

A ameaça era clara, mas Tomás olhou para ele como se olha para um inimigo que não sabe que o tempo está a acabar. Os anos no exército ensinaram-lhe paciência, estratégia, a esperar o momento certo. Não podia ser impulsivo, não com Leonor tão frágil. Os dias seguintes foram um tormento silencioso. Tomás observava, memorizava os movimentos de Carlos, cada palavra, cada gesto, recolhendo provas como se estivesse a montar um caso num campo de batalha.

Ignorou as provocações de Carlos. Os comentários cortantes, as gargalhadas cruéis—mas o que mais o doía eram os gritos abafados que ouvia de noite, os soluços de Leonor que atravessavam as paredes. “A cobardia do Carlos não estava só nos murros”, pensou Tomás, mas na forma como a convencera de que ninguém acreditaria nela, de que estava sozinha, de que merecia aquele inferno. Carlos era um predador, e Leonor, a presa.

Uma tarde, quando Leonor saiu para deitar o lixo, Tomás aproveitou um instante. Deslizou-lhe um papel com o contacto de um amigo no Ministério Público, alguém que lhe devia um grande favor. “Guarda isto. Liga se conseguires”, sussurrou. Ela pegou nele com mãos trémulas, mas ao ver Carlos a observá-la da janela, escondeu-o no bolso num movimento rápido, como se a vida dependesse disso. O medo ainda a acorrentava, mais forte que qualquer esperança.

Nessa noite, enquanto Tomás fingia dormir no sofá, um murro seco e um gemido dilacerante fizeram-no saltar. Aproximou-se da porta do quarto, o coração a bater como um tambor. Ouviu a voz de Carlos, baixa e carregada de ódio: “Se disseres uma palavra ao teu irmão estúpido, juro que não será só a tua cara da próxima vez.” Tomás cerrou os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos. Isto já não era só salvar a Leonor.

Era uma guerra contra um monstro que se julgava intocável. No dia seguinte, com o coração na garganta, Tomás ligou ao contacto no Ministério Público. “Nada de viaturas à vista”, pediu. “Só preciso do processo do Carlos.” O que descobriu foi um soco no estômago—uma queixa anterior por violência contra outra mulher, arquivada por falta de provas, de testemunhos, de voz. O mesmo padrão, a mesma impunidade.

Nessa noite, Carlos encarou-o na sala. “Sei o que estás a fazer, soldadinho”, cuspiu, a voz a escorrer veneno. “Achas que vens à minha casa fazer-te de herói? Se tentares levá-la, não sais daqui vivo.” Puxou de uma navalha, aproximando-a de Leonor, que ficou paralisada, os olhos cheios de terror. Tomás, com o telemóvel na mão, hesitou sobre o botão de chamada. O ar era pesado, cada segundo uma eternidade. Carlos virou a mesa num movimento brusco, café e papéis por todo o lado, um lembrete brutal de quem mandava. Leonor, com a voz partida, sussurrou: “Há alguma saída, Tomás?”

Mas Carlos bloqueou-lhe a passagem, o pé a esmagar os papéis, a navalha a avisar que ela não se mexia sem permissão. A tensão era insuportável. Carlos encontrou o papel com o número no bolso de Leonor e, num acesso de fúria, partiu o telemóvel de Tomás. “Este era o teu plano”, rugiu. “Ninguém entra aqui sem a minha ordem.” A navalha aproximou-se mais de Leonor, e o gemido dela foi uma facada no coração de Tomás.

Foi então que uma pancada firme ecoou na porta. “Polícia, abram agora!” Carlos recuou, confuso, a navalha a tremer-lhe na mão. Tomás, com o pulso aceleradoOs agentes entraram, e enquanto Carlos era algemado, Leonor finalmente permitiu que as lágrimas corressem livremente, sentindo pela primeira vez em anos que a liberdade era real.

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