Garotinha Pede Ajuda a Motociclista para Alimentar Irmãozinho Faminto

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A menina descalça aproximou-se da minha mota à meia-noite com um saco cheio de moedas de um euro e implorou que eu comprasse leite em pó para o seu irmãozinho.

Não devia ter mais de seis anos, ali parada, num posto de gasolina aberto toda a noite, com um pijama sujo da Elsa do *Frozen*, segurando o que pareciam ser economias de anos inteiros, enquanto as lágrimas limpavam o pó do seu rosto.

Eu tinha parado para meter gasolina depois de uma viagem de 600 quilómetros, exausto e só querendo chegar a casa. Mas aquela miúda tremia enquanto me estendia aquele saco de trocos—a mim, o motard de cara feia que ela decidiu abordar em vez do casal bem-vestido dois bombas adiante.

“Por favor, senhor,” sussurrou, lançando um olhar nervoso para uma carrinha velha estacionada nas sombras. “O meu irmãozinho não come desde ontem. Não vendem a crianças, mas o senhor parece alguém que entenderia.”

Olhei para a carrinha, depois para os seus pés descalços no cimento frio, depois para a loja onde o funcionário nos observava com desconfiança, e soube que algo estava terrivelmente errado.

“Onde estão os teus pais?” perguntei, baixando-me para ficar à sua altura, apesar do meu joelho protestar.

Os olhos dela fugiram novamente para a carrinha. “A dormir. Andam… cansados. Há três dias.”

Três dias. O meu sangue gelou. Sabia bem o que isso significava—no mundo de onde eu vim, antes de me endireitar há quinze anos.

“Como te chamas, querida?”

“Beatriz. Por favor, o leite em pó. O Francisco não para de chorar e não sei mais o que fazer.”

Ergui-me devagar, decidido. “Beatriz, vou comprar o leite. Mas tens de ficar aqui ao pé da minha mota. Consegues?”

Ela acenou com a cabeça, a pressionar o saco de moedas nas minhas mãos. Não o aceitei.

“Guarda o teu dinheiro. Eu trato disto.”

Dentro da loja, peguei no leite em pó, biberões, água e o máximo de comida pronta que consegui levar. O funcionário, um miúdo que mal parecia ter saído do secundário, observava com nervosismo.

“Essa miúda já cá veio antes?” perguntei baixinho.

“Nos últimos três dias,” admitiu. “Sempre com gente diferente, a pedir leite. Ontem tentou comprar sozinha, mas eu não podia… política da loja…”

“Negaste leite a uma criança?” A minha voz tornou-se perigosamente baixa.

“Liguei à CPCJ! Disseram que sem morada não podiam—”

Bati dinheiro no balcão e saí. Beatriz ainda estava ao pé da mota, mas agora cambaleava, exausta.

“Quando foi a última vez que comeste?”

“Terça-feira? Ou segunda. Dei os últimos bolachas ao Francisco.”

Era quinta à noite. Ou sexta-feira de madrugada, tecnicamente.

Entreguei-lhe o leite e os mantimentos. “O Francisco está onde?”

Ela olhou para a carrinha, conflito no rosto. “Não posso dizer a estranhos.”

“Beatriz, eu sou o Lobão. Ando com os *Guardas de Ferro*, uma Mota Clube. Ajudamos crianças—é o que fazemos.” Mostrei-lhe o emblema no meu colete: “Proteger os Inocentes”. “Acho que tu e o Francisco precisam de ajuda.”

E então ela começou a chorar, soluços que sacudiam o seu corpo franzino. “Eles não acordam. Já tentei, mas não acordam e o Francisco tem tanta fome e não sei o que fazer…”

Os meus piores medos confirmados. Liguei ao presidente do clube, o Tó.

“Irmão, preciso de ti e do Doutor Zé no BP da EN-125. Agora. Traz a carrinha.”

“O que se passa—”

“Crianças em perigo. Possível overdose. Despacha-te.”

Depois liguei para o 112, reportei emergência médica e voltei-me para a Beatriz.

“Vamos ver o Francisco. Os meus amigos estão a chegar—um deles é médico. Vamos ajudar.”

Ela levou-me à carrinha. O cheiro atingiu-me primeiro—lixo humano, comida estragada, desespero. Atrás, em cima de cobertores sujos, estava um bebé de meses, a chorar baixinho. Fraco, demais. E nos bancos da frente… Dois adultos, inconscientes, a respirar mal. Seringas no tablier.

Verifiquei os pulsos. Fracos, mas lá estavam. Peguei no Francisco com cuidado, a fralda suja e pesada, o corpinho demasiado leve.

“Beatriz, quando foi a última vez que eles estiveram acordados?”

“Não são os meus pais,” disse baixinho. “É a minha tia e o namorado dela. A minha mãe morreu no ano passado. Cancro. A tia Cláudia disse que ia tomar conta de nós, mas depois conheceu o Vítor e começaram a usar aqueles remédios que os deixam a dormir.”

As sirenes aproximavam-se. O ronco da mota do Tó chegaram ao mesmo tempo que a nossa carrinha de apoio, com o Doutor Zé.

Ex-médico militar, ele agarrou no Francisco, começando a examiná-lo. O Tó olhou para a cena e percebeu na hora.

“Há quanto tempo eles estão assim?”

“Ela diz três dias.”

“Meu Deus.”

Os paramédicos chegaram, administraram naloxona, e de repente o estacionamento virou um caos. Polícia, ambulâncias, assistentes sociais. Beatriz encostou-se a mim, a tremer.

“Vão levar o Francisco,” soluçou. “Tentei tanto cuidar dele…”

Ajoelhei-me outra vez. “Beatriz, salvaste-lhe a vida. Tens nove anos e salvaste o teu irmão. Ninguém está zangado contigo.”

Uma assistente social aproximou-se. “Precisamos de colocar as crianças—”

“Juntas,” disse eu, firme.

“Nem sempre é possível—”

O Tó avançou com o seu metro e noventa, colete cheio de insígnias de serviço militar e anos de estrada. “Menina, essa miúda foi a única mãe que aquele bebé conheceu. Separá-los agora vai destruí-los os dois.”

Motos começaram a chegar. A notícia espalhara-se. Dentro de uma hora, trinta *Guardas de Ferro* estavam ali, de testemunhas.

A assistente social parecia sobrecarregada. “Isto é complexo—”

“Não,” cortei. “É simples. Precisam de um sítio seguro—juntos. Membros do nosso clube são famílias de acolhimento. O Rui e a Ana Gomes. Ex-fuzileiro e enfermeira. Podem ficar com as crianças já.”

O Doutor Zé ergueu a voz. “O bebé está desidratado e subnutrido, mas estável. Precisa de cuidados, mas vai ficar bem.”

A tia e o namorado já estavam acordados, algemados, em ambulâncias separadas. A tia viu a Beatriz e gritou:

“Beatriz! Não deixes que te levem! Peço desculpa, minha querida!”

Ela escondeu o rosto no meu colete. Pus-lhe a mão na cabeça, protectora.

“Está tudo bem, pequenina. Estás segura agora.”

Demorou horas a resolver tudo. O Rui e a Ana chegaram, tomando conta com calma. A Ana envolveu a Beatriz num cobertor limpo, enquanto o Rui pegou no Francisco, acalmando-o.

“Vão ficar bem,” assurancei. “Os dois. Juntos.”

Beatriz agarraE, nos anos seguintes, aquele posto de gasolina tornou-se um símbolo de esperança, onde nenhuma criança saía de mãos vazias, graças à coragem de uma menina descalça e a um bando de motards de coração grande.

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