Casada com um mendigo por ser cega: o que aconteceu depois

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Beatriz nunca tinha visto o mundo, mas sentia a sua crueldade em cada respiração.
Nascera cega numa família que valorizava a beleza acima de tudo. As suas duas irmãs eram admiradas pelos olhos cativantes e corpos esbeltos, enquanto Beatriz era tratada como um fardo, um segredo vergonhoso escondido entre quatro paredes.

A mãe morrera quando ela tinha apenas cinco anos, e desde então o pai mudara. Tornara-se amargo, ressentido e cruel — especialmente com ela. Nunca a chamava pelo nome; chamava-lhe “aquela coisa”. Não a queria à mesa durante as refeições nem perto quando chegavam visitas. Acreditava que ela era amaldiçoada, e quando Beatriz completou 21 anos, ele tomou uma decisão que destruiria o pouco que restava do seu coração já partido.

Numa manhã, o pai entrou no seu quarto pequeno, onde Beatriz estava sentada, passando os dedos sobre os pontos salientes de um livro em Braille já gasto. Atirou-lhe um pedaço de pano dobrado no colo.

“Vais casar amanhã,” disse, sem emoção.

Beatriz congelou. As palavras não faziam sentido. Casar? Com quem?

“É um mendigo da igreja,” continuou o pai. “Tu és cega, ele é pobre. Um bom par para ti.”

Sentiu o sangue abandonar-lhe o rosto. Queria gritar, mas nenhum som saiu. Não tinha escolha. O pai nunca lhe dera escolhas.

No dia seguinte, casaram-se numa cerimónia rápida e apressada. Claro que ela nunca viu o rosto dele, e ninguém se atreveu a descrevê-lo. O pai empurrou-a na direção do homem e mandou que agarasse o seu braço. Ela obedeceu, como um fantasma dentro do próprio corpo. As pessoas riam-se, sussurrando: “A rapariga cega e o mendigo.”

Depois da cerimónia, o pai deu-lhe um saco pequeno com algumas roupas e empurrou-a novamente para o homem.

“Agora é problema teu,” disse, afastando-se sem olhar para trás.

O mendigo, chamado Diogo, levou-a em silêncio pela estrada. Não disse nada durante muito tempo. Chegaram a uma cabana pequena e arruinada na periferia da aldeia. Cheirava a terra molhada e a fumo.

“Não é muito,” disse Diogo, suavemente. “Mas estarás segura aqui.”

Ela sentou-se no esteiro velho dentro de casa, segurando as lágrimas. Esta era a sua vida agora. Uma rapariga cega, casada com um mendigo, numa cabana feita de barro e esperança.

Mas algo estranho aconteceu naquela primeira noite.

Diogo fez-lhe chá com mãos gentis. Deu-lhe o seu próprio casaco e dormiu junto à porta, como um cão de guarda a proteger a sua rainha. Falou com ela como se ela importasse — perguntando-lhe que histórias gostava, que sonhos tinha, que comidas a faziam sorrir. Nunca ninguém lhe perguntara essas coisas.

Os dias tornaram-se semanas. Todas as manhãs, Diogo levava-a até ao rio, descrevendo o sol, os pássaros, as árvores com tamanha poesia que Beatriz começou a sentir que os via através das suas palavras. Cantava para ela enquanto lavava roupa e contava-lhe histórias de estrelas e terras distantes à noite. Ela riu-se pela primeira vez em anos. O seu coração começou a abrir-se. E naquela cabana estranha, algo inesperado aconteceu: Beatriz apaixonou-se.

Uma tarde, ao estender a mão para a dele, perguntou:
“Foste sempre um mendigo?”

Ele hesitou. Depois respondeu, baixinho:
“Não sempre.”

Mas nunca explicou mais. E Beatriz não insistiu.

Até um dia.

Ela foi sozinha ao mercado comprar legumes. Diogo dera-lhe indicações cuidadosas, e ela memorizou cada passo. Mas a meio do caminho, alguém lhe agarrou o braço com violência.

“Rata cega!” cuspiu uma voz.

Era a sua irmã. Inês.

“Ainda viva? Ainda a fingir que és a mulher de um mendigo?”

Beatriz sentiu as lágrimas subirem, mas manteve-se firme.

“Sou feliz,” disse.

Inês riu-se com crueldade.
“Nem sequer sabes como ele é. É lixo. Tal como tu.”

Depois, sussurrou algo que partiu Beatriz.

“Ele não é um mendigo. Beatriz, mentiram-te.”

Ela tropeçou a caminho de casa, confusa. Esperou até ao anoitecer, e quando Diogo regressou, perguntou novamente — desta vez com firmeza.

“Diz-me a verdade. Quem és realmente?”

Ele ajoelhou-se diante dela, pegou-lhe nas mãos e disse:

“Não era para saberes ainda. Mas não posso continuar a mentir-te.”

O seu coração batia forte.

Ele inspirou fundo.

“Não sou um mendigo. Sou o filho do Conde.”

O mundo de Beatriz girou enquanto processava as suas palavras. “O filho do Conde.” A sua mente percorreu todos os momentos que partilharam — a sua bondade, a sua força, as histórias vívidas demais para um simples mendigo — e de repente tudo fez sentido. Ele nunca fora um mendigo. O seu pai casara-a não com um pobre, mas com um nobre disfarçado de trapos.

Ela afastou as mãos, a voz trémula:
“Porquê? Porque me deixaste acreditar que eras um mendigo?”

Diogo levantou-se, a voz calma mas carregada de emoção.
“Porque queria alguém que me visse — não a minha riqueza, não o meu título. Apenas a mim. Alguém puro. Alguém cujo amor não pudesse ser comprado. Tu eras tudo o que eu tinha rezado para encontrar, Beatriz.”

O seu coração lutava entre a raiva e o amor. Porque não lhe dissera? Porque a deixara sentir-se descartada como lixo?

Diogo ajoelhou-se novamente.
“Nunca quis magoar-te. Vim disfarçado porque estava cansado de mulheres que amavam o trono, mas não o homem. Depois, ouvi falar de uma rapariga cega, rejeitada pelo próprio pai. Observei-te de longe durante semanas antes de me aproximar dele disfarçado. Sabia que ele aceitaria, porque queria livrar-se de ti.”

Lágrimas escorreram pelas faces de Beatriz. A dor da rejeição do pai misturava-se com o choque da verdade de Diogo. Ela sussurrou:
“E agora? O que acontece agora?”

Diogo apertou-lhe a mão com delicadeza.
“Agora vens comigo — para o meu mundo, para o palácio.”

O seu coração saltou.
“Mas sou cega. Como posso ser uma princesa?”

Ele sorriu.
“Já és, minha princesa.”

Na manhã seguinte, uma carruagem real estava parada à frente da cabana. Guardas vestidos de negro e dourado curvaram-se diante de Diogo e Beatriz. Ela agarrou-se ao seu braço com força enquanto a carruagem avançava em direção ao palácio.

Quando chegaram, a multidão suspirou. O príncipe desaparecido regressara — mas com uma rapariga cega ao seu lado. A Condessa estudou Beatriz atentamente, os olhos afiados. Beatriz fez uma vénia humilde. Diogo permaneceu firme ao seu lado e declarou:

“Esta é a minha esposa — a mulher que escolhi. A mulher que viu a minha alma quando ninguém mais o fez.”

A Condessa ficou em silêncio por um momento, depois avançou e abraçou Beatriz.
“Então ela é também minha filha,” disse.

Beatriz quase desmaiou de alívio. Diogo sussurrouE, debaixo da luz do sol português, Beatriz percebeu que a verdadeira visão nasce no coração, e nunca mais precisou de enxergar para saber que era livre e amada.

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